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Direito e Evolução: uma tradição esquecida na teoria jurídica

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Atualizado em julho 3, 2018

A ideia de que o direito evolui é bastante cara aos juristas. É fácil encontrarmos artigos jurídicos ou mesmo livros cujos títulos estejam lastreados nessa ideia, como “a evolução do direito de família” ou “a evolução do conceito de contrato”. Mas esse é um sentido trivial da palavra “evolução”, que é utilizada apenas no sentido de progressão histórica, para se referir ao fato de que os conceitos jurídicos mudam ao longo do tempo e que é possível reconstruir essas mudanças. Existe, contudo, um outro sentido em que o termo “evolução” foi apropriado pelos juristas, relacionado à apropriação dos usos da teoria evolutiva tal como construída na biologia. É uma tradição importante do pensamento jurídico, mas que praticamente não é ensinada nas faculdades de direito brasileiras.

Essa tradição começou, como o próprio pensamento evolucionista, antes de Darwin. O evolucionismo, na própria biologia, tem suas raízes em teorias que se tornaram bastante populares no fim do século XVIII e que culminaram na teoria da seleção natural do biólogo inglês. Antes dele, contudo, várias evidências coletadas na biologia e, principalmente, na geologia, já apontavam para a tese de que as espécies evoluíam. Nomes como os de Georges Cuvier, James Hutton, William Smith e, principalmente, Charles Lyell e Jean-Baptiste Lamarck, além de Erasmus Darwin — avô de Charles Darwin — foram os responsáveis por uma “primeira onda” evolucionista ao longo da primeira metade do século XIX que teve reflexos importantes no direito.

O primeiro jurista “de peso” a invocar teorias da evolução em apoio a uma teoria do direito foi o muito citado jurista alemão Friedrich Karl von Savigny. Embora sua escola histórica da jurisprudência seja sempre muito lembrada, é pouco recordado o fato de que sua abordagem historicista tinha apoio teórico em uma leitura evolutiva do direito — tanto que chegou a ser chamado de “Darwin da ciência do direito” em um artigo publicado em 1910 na revista do Instituto Britânico de Direito Internacional e Comparado. Savigny advogou, em seu influente Da Vocação de nosso Tempo para a Legislação e a Jurisprudência (1814), uma jurisprudência que progredisse evolutivamente, baseada em uma teoria dos estágios de desenvolvimento do direito construída sobre a teoria evolucionista pré-darwinista. O direito evoluía, segundo ele, em estágios, e não por mudanças radicais — uma crítica explícita aos movimentos revolucionários na França e ao subsequente movimento pela codificação (objeto de seu célebre debate com Thibau). A evolução do direito derivava de duas forças principais: o costume e a jurisprudência, em oposição à ideia de um legislador racional.

O evolucionismo de Savigny influenciou a obra do jurista inglês Henry Maine, menos conhecido no Brasil. Em seu livro mais influente, Ancient Law(1861), publicado apenas dez anos após a obra-prima de Darwin, Maine defendeu — assim como Savigny — um modelo de evolução social por meio de estágios sequenciais e graduais. No primeiro desses estágios, o sistema jurídico é baseado no julgamento real, que se qualifica como mero comando, não como direito. No segundo estágio, o direito costumeiro, destaca-se o poder das aristocracias e a formação de um corpo burocrático que se acopla ao poder real. Nesse estágio, o direito passa a consistir como um corpo sistemático de regras que abre o caminho para o último estágio, o direito codificado — quando o direito legislado substitui o costume como fonte do direito. De acordo com Maine, as principais forças evolutivas que levam o direito de um estágio ao outro são as ficções jurídicas, a equidade e a legislação.

Embora haja debate a respeito da influência de Darwin sobre o pensamento de Maine, é improvável que isso tenha ocorrido. Ao invés de pensar na evolução como evolução de características em uma dada população, com a posterior seleção, Maine — assim como Savigny — postula a existência de estágios evolutivos que precisam ser necessariamente percorridos, uma ideia que soaria estranha para o naturalista inglês. Nesse ponto, é mais provável que ele tenha sido influenciado pelo sociólogo Herbert Spencer. Mas o pensamento de Maine também adota parcialmente uma premissa selecionista que poderia ser mais amoldável ao pensamento darwinista. De acordo com ele, as normas adotadas por uma determinada comunidade são aquelas que, “no todo são as mais bem adaptadas para promover seu bem estar físico e moral”. Não que essa ideia seja completamente darwinista, pois pressupõe que a evolução é sempre eficiente; mas Maine assume uma relação evolutiva entre práticas legais e seus efeitos sobre a sociedade, assumindo que o ambiente social seleciona instituições jurídicas de acordo com seus próprios critérios.

Outro autor importante é John Henry Wigmore, que inegavelmente foi influenciado pelo pensamento darwinista. Em Evolution of Law, uma obra de 2.000 páginas escrita em co-autoria com Albert Kocourek, Wigmore argumenta que o direito responde a uma série de forças evolutivas derivadas de vários tipos de ambientes — social, cultural, político e geofísico. Antecipando-se em décadas a estudos que demonstraram o raciocínio normativo em outras espécies animais, Wigmore já considerava relevante o estudo do comportamento animal para a compreensão do raciocínio moral. Mais próximo ainda do pensamento de Darwin é o fato de que ele não pensava que a evolução legal procedia por estágios, nem tinha qualquer direção. Pelo contrário, era precisamente por esse motivo que Wigmore criticava a teoria de Maine.

 

Oliver Wendell Holmes talvez seja, dos autores que se referiam a Darwin na transição do século XIX para o século XX, o mais conhecido. O teórico de Boston acreditava que o direito era antes o resultado dos efeitos cumulativos das decisões judiciais do que do planejamento racional de um legislador — um resultado bastante similar à proposta de Savigny. Mas, ao contrário do jusfilósofo alemão, Holmes foi diretamente influenciado pelo pensamento darwinista por intermédio de seu contato com o pragmatismo americano de Charles Peirce e William James, onde Darwin era uma importante referência.

Em dois textos, The Common Law e Law in Science and Science in Law, Holmes mostra a influência darwinista em seu pensamento. No primeiro texto, Holmes narra a história da responsabilidade civil, dos contratos e da prevenção de danos, com o objetivo de mostrar como as normas jurídicas relativas a cada um desses domínios mudaram ao longo do tempo como se fossem produzidas aleatoriamente e então selecionadas por decisões judiciais, sem qualquer racionalidade prévia aparente. No segundo texto, um artigo publicado em 1900, Holmes é ainda mais explícito. De acordo com ele, conceitos jurídicos emergem em um processo similar ao modo pelo qual espécies evoluem na natureza. Os conceitos jurídicos resultam da competição entre ideias, que são selecionadas em um processo similar ao da seleção natural. Holmes assumia que os três elementos da teoria darwinista, variação, competição e reprodução — estão também presentes na evolução jurídica. A variação decorre da divergência sobre como os fatos são compreendidos e teorias diversas são formuladas, consciente ou inconscientmente, como erros de transmissão de um caso para outro; a reprodução decorreria do fato de que vários casos judiciais exigem a aplicação de princípios prévios; e a seleção, do fato de que as diversas normas colocadas em questão são apreciadas e julgadas pelo juiz. Mas isso não significa que a evolução é guiada pelos juízes, porque o resultado final do processo acumulativo de diversas decisões judiciais é totalmente imprevisível.

Embora explicações evolutivas do fenômeno jurídico tenham feito muito sucesso até o início do século XX, logo foram abandonadas em favor de outras abordagens. Talvez o último grande trabalho evolucionista tenha sido o The Law and the Judge (1914), de Arthur Corbin, em que se destacava pontos salientados anteriormente por Holmes, com o adendo de que Corbin também enfatizava o papel dos valores da comunidade na evolução legal. De acordo com ele, embora os juízes selecionem várias normas jurídicas, cabe em última instância à comunidade aceitar ou não o resultado da atividade judicial.

Muitos foram os motivos para o abandono das teorias jurídicas evolutivas a partir daí. Em primeiro lugar, a falta de precisão teórica impedia maiores desenvolvimentos e mesmo a formulação de hipóteses empíricas concretas. Além disso, pouco a pouco, e especialmente após a Segunda Guerra Mundial, abordagens evolucionistas passaram a ser associadas a movimentos eugênicos e racistas, além de estarem associadas a teorias colonialistas que foram progressivamente desacreditadas. De certa forma esse abandono por razões morais foi injusto, já que o próprio Darwin era um abolicionista e não acreditava em evolução moral por estágios civilizatórios.

Apenas na década de 1970 estudos jurídicos fundados na premissa darwinista voltaram a ser desenvolvidos, principalmente a partir do domínio econômico, com os trabalhos de Robert Clark, Paul Rubin, Robert Cooter, Richard Posner e F A Hayek.

Clark construiu sua teoria a partir do mesmo pressuposto de Holmes, acrescendo a ela a evolução estatutária. O direito evoluiria, em sua abordagem, não apenas por meio das decisões judiciais, mas também por meio da evolução das leis, que responderiam a ambientes econômico, social e cultural. Em sua perspectiva, a seleção de normas jurídicas tinha um forte componente econômico, porque levaria a uma redução progressiva de custos tanto porque a proposição de novos princípios jurídicos pelos agentes econômicos teria estrutura que diminuiria custos de transação, tanto porque novos princípios legais criariam novas unidades econômicas, mais eficientes.

Paul Rubin e George Priest, por sua vez, propunham que o papel dos juízes é menos importante, evolutivamente, do que o assumido por Holmes. De acordo com eles, os verdadeiros proponentes da variação são as partes, pois elas produzem os argumentos jurídicos que os juízes selecionam. A evolução jurídica e, assim, uma joint-venture entre juízes e partes, pois está nas mãos das partes trazer ou não determinados casos e argumentos para que os juízes selecionem. Há, assim, uma pré-seleção dos argumentos que são levados às Cortes. Robert Cooter discorda desses autores, reafirmando o papel dos juízes como o principal agente de seleção.

Posner também contribuiu com uma teoria evolutiva do direito, em seu texto A Theory of Primitive Society, with Special Reference to Law. De acordo com ele, o direito é um importante mecanismo para compreender a evolução cultural de sociedades arcaicas. Muitas das características dessas sociedades, longe de ser o mero produto de sua cultura, refletem custos de informação derivados da ausência de um governo centralizado. Nessa situação, os ganhos privados de inovar são inexistentes por inexisirem direitos de propriedade. Apesar disso, essa incerteza também gera a oportunidade para o surgimento de outros institutos jurídicos. A carência alimentar, por exemplo, oriunda da incerteza quanto à obtenção de alimentos, é regulada por um sistema informal de seguros baseados em uma ética de redistribuição.

Outro autor relevante é F A Hayek. Em seu monumental Law, Legislation and Liberty (1973), Hayek produziu uma das mais sofisticadas obras evolutivas. Eu destacaria três contribuições principais.

Em primeiro lugar, Hayek considera desde o início a importância da psicologia normativa para a compreensão de como o direito procede. Ele aceita o fato de que o comportamento humano é altamente influenciado por disposições cognitivas e instintos resultantes de nossa evolução genética. Esses instintos possivelmente configuravam uma ‘moralidade natural’ baseada em instintos que assegurava a cooperação entre os membros dos primeiros grupos humanos. Esses instintos, contudo, não explicam a evolução do direito, mas apenas permitem compreender como a nossa psicologia inata é preparada para lidar com um ambiente institucional normativo, que somente pode ser compreendido por seres com uma psicologia capaz de compreender normas.

Em segundo lugar, Hayek concebe o direito como um produto da evolução cultural. O direito não e produto de uma evolução consciente, mas de um processo de geração aleatória de normas em que sobrevive o sistema normativo mais eficiente. Diferentes instituições competem entre si e as mais eficientes sobrevivem.

Em terceiro lugar, Hayek desenvolveu uma abordagem multinível da evolução das instituições humanas. Ao invés de se basear em teorias do direito lastreadas na tese de que o direito é selecionado a partir de seus efeitos sistêmicos sobre toda a sociedade, Hayek leva em conta processos simultâneos em questão e que envolvem tanto a seleção de indivíduos quanto de grupos. A predisposição individual de obedecer a normas legais e morais leva a um processo simultâneo de seleção individual e de grupo. O indivíduo é selecionado na medida em que pode se sair melhor ou pior na medida em que obedece ou deixa de obedecer a determinadas regras, ou se é melhor obedecer a um novo conjunto de regras. O grupo, por sua vez, é selecionado na medida em que o conjunto de regras jurídicas (o direito) de uma sociedade é mais ou menos eficiente. Diferentes sistemas jurídicos afetam diferentemente cada sociedade.

Essa é uma antecipação importante a teorias da evolução que surgiram ao longo da década de 1980, e que levam em consideração processos evolutivos de múltiplos níveis — genético, individual e de grupo — , como a desenvolvida por Peter Richerson e Robert Boyd.

Mais recentemente, esses novos desenvolvimentos na teoria da evolução têm possibilitado novas abordagens pela teoria do direito. Eu diria que estamos no limiar de ver uma terceira leva de teorias evolutivas do direito, agora baseadas em avanços mais recentes em áreas como memética, evolução e desenvolvimento, epigenética, entre outras.

É importante redescobrirmos essa tradição. Em outros países já se fala em um Evolutionary Turn in Law, enquanto ainda sequer estamos conscientes dessa tradição, perdidos que estamos ainda discutindo problemas de hermenêutica, sem levar em consideração qualquer dos avanços que têm sido feitos em outros campos do conhecimento, como biologia, psicologia e economia para estudar o fenômeno jurídico. Não se trata de desmerecer a tradição hermenêutica, mas de trazer para o direito uma perspectiva interdisciplinar capaz de providenciar outros olhares para um fenômeno altamente complexo como o jurídico.

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Fábio Portela

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