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A carência de liberalismo no liberalismo brasileiro

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Atualizado em outubro 25, 2018

Se há algo que as eleições atuais demonstraram cabalmente é a natureza peculiar do “liberalismo” brasileiro. Entre aspas mesmo, porque não é liberalismo. Nada - NADA - há no liberalismo nacional que remeta à tradição venerável de Adam Smith, John Locke, Immanuel Kant, Jeremy Bentham, John Stuart Mill, John Harsanyi, Amartya Sen, Meira Levinson, Friedrich Hayek, Martha Nussbaum, John Rawls, Robert Nozick ou Ronald Dworkin. 

O que tem se apresentado como liberalismo no país, ao longo do processo eleitoral, é uma mistura inconsistente de conservadorismo moral, fundamentalismo religioso, uma ideia indefinida de Estado mínimo e ausência completa de qualquer referência à igualdade como postulado jurídico-normativo. E nada disso encontra sua raiz no pensamento liberal clássico ou contemporâneo. Afinal, o liberalismo encontra sua fundação clássica na afirmação da autonomia individual contra a autocracia; na possibilidade de emancipação coordenada pela cooperação contra o dirigismo autoritário.

Falta igualdade ao liberalismo brasileiro


O liberalismo, em qualquer de suas vertentes, acolhe em sua raiz a ideia de igualdade. Não por menos, o pensamento liberal imanente ao constitucionalismo tem uma força corrosiva que destrói tradições autoritárias, preconceitos e injustiças. Sua lógica igualitária e emancipatória é tão autocrítica que poucos preconceitos humanos – inclusive os presentes no pensamento de indivíduos liberais – resistiram a sua dinâmica. Tão certo quanto a admissão de que os liberais americanos que redigiram a Constituição de 1787 eram escravocratas é o reconhecimento de que o igualitarismo radical imanente na afirmação de que todos são iguais, princípio basilar do liberalismo, foi essencial à abolição da escravidão.

A igualdade – e mesmo uma certa concepção redistributiva de igualdade – é central ao liberalismo. Mesmo o chamado (e ‘famigerado’) neoliberalismo admite políticas redistributivas com a finalidade de capacitar cidadãos a exercerem ativamente seus direitos. O liberalismo reconhece que o acesso a certas condições materiais mínimas é pressuposto ao exercício da liberdade. Hayek e Friedman, os dois ‘arquitetos’ do neoliberalismo, admitiam que o Estado criasse mecanismos para redirecionar recursos privados a fim garantir que todos os cidadãos tivessem a possibilidade concreta de participar como um igual.


Nesse sentido, Hayek dizia que “a garantia de uma renda mínima para todos, ou um piso abaixo do qual ninguém precisa cair ainda que seja incapaz de proporcionar sua própria subsistência, parece não apenas ser uma proteção inteiramente legítima contra um risco comum a todos, mas uma parte necessária da sociedade”. Friedman, por sua vez, defendia a renda mínima como um imposto negativo: definido o patamar mínimo de renda necessário ao exercício da liberdade, o Estado deveria pagar aos mais pobres recursos suficientes para que, somados à sua renda, pudessem ter o suficiente para que o alcançasse.


E essa é a posição de Hayek e Friedman, os dois “cavaleiros do apocalipse” para boa parte da esquerda nacional. Curiosamente, os autoproclamados liberais brasileiros também a rejeitam. Apenas agora, timidamente, reconhecem o valor do bolsa família, e mesmo assim só o admitem como política de garantia do patamar mínimo de subsistência. Enquanto o pensamento liberal postula a garantia de uma política de renda mínima como pressuposto ao exercício da liberdade, o liberalismo brasileiro a enxerga com o desdém de quem não pode deixar de pagar uma esmola.


O que Hayek e Friedman rejeitam é a subserviência ao dirigismo estatal. A dinâmica social é imprevisível, insuscetível de se deixar limitar pelo planejamento estatal. O Estado não consegue planejar a economia e, por isso, deveria liberá-la. Daí não se segue que o Estado deve ser mínimo no sentido usualmente atribuído de que não seja responsável por direcionar a redistribuição de recursos para garantia de que todos os cidadãos tenham o suficiente para viver uma vida digna. Nada disso faz parte do repertório dos liberais brasileiros.

O rentseeking imanente ao liberalismo brasileiro


O liberalismo defende com unhas e dentes a proteção do Estado contra a ação predatória de interesses privados perante a administração pública. Sustenta a necessidade de criar mecanismos de proteção contra o rent seeking

O liberalismo brasileiro defende uma política inerente de rent seeking, buscando trazer empresários para dentro da máquina pública, onde podem gerir melhor seus próprios interesses comerciais.

Liberalismo, tolerância e o conservadorismo do liberalismo brasileiro

O liberalismo sustenta o constante reparo da muralha que deve separar o Estado da Religião. Essa muralha é a maior garantia institucional conhecida do pensamento humano para proteger o interesse público da cooptação por sectaristas religiosos. Mas não se trata apenas de proteger as instituições públicas contra interesses religiosos. O muro da separação entre Igreja e Estado deve ser constantemente reforçado para garantir que o Estado jamais se imiscuirá no exercício da liberdade religiosa. É a garantia de que você, eu ou qualquer pessoa poderemos viver nossas vidas conforme nossa concepção filosófica e/ou religiosa.


O liberalismo brasileiro, por outro lado, é um liberalismo conservador e religiosamente fundamentalista. Não está preocupado em garantir o livre exercício da religião por todos, mas em cooptar as instituições públicas a um pensamento religioso único. Não está preocupado com a tolerância das religiões minoritárias, mas com a afirmação institucional da maioria cristã. Como resultado previsível, abrem-se as portas da intolerância religiosa. Ao firmar alianças com o conservadorismo no plano político, o liberalismo brasileira reafirma sua rejeição ao pensamento liberal. Deixa de proteger a liberdade para proteger um núcleo particular de crenças. 


O liberalismo é uma filosofia jurídico-política sistemática. Não é possível optar institucionalmente por ser “liberal na economia e conservador nos costumes”. Do ponto de vista liberal, um indivíduo pode fazer essa opção; o sistema político, não. O próprio John Rawls, cânone do pensamento liberal no século XX, afirmou a prevalência da liberdade sobre a economia. Os direitos fundamentais devem ser preservados a qualquer custo, não se admitindo jamais um trade-off entre esses direitos e eventuais benefícios econômicos. Um liberal jamais aceitaria negociar liberdades básicas para garantir uma performance econômica melhor.

O liberalismo é a antítese do autoritarismo aceito pelos liberais brasileiros


Por fim, um liberal jamais aceitaria um governo autoritário. O liberalismo é, por excelência, a antítese do totalitarismo. O Estado liberal é o governo representativo, onde todos têm voz ativa para ponderar as escolhas públicas. Não é, jamais, o Estado do porrete contra minorias, mas o que preserva a possibilidade de existência das minorias e valoriza a diversidade. Não é, jamais, o Estado que discrimina os desafortunados ou exigir que as minorias se conformem aos parâmetros morais da maioria. Não é o Estado da vingança contra o criminoso, mas o Estado que busca reabilitá-lo para que se torne um cidadão apto a respeitar as leis e os limites da civilidade. É o Estado em que os militares protegem a liberdade e as instituições. É o Estado onde não há inimigos, mas co-partícipes na vida pública.


Os liberais brasileiros são autoritários. Pregam a discriminação e o preconceito contra negros, mulheres e homossexuais. Afirmam a necessidade de que minorias étnicas e culturais se aculturem a uma suposta “cultura brasileira” (que, se existe, é justamente o produto da diversidade), pregando uma homogeneidade cultural que jamais existiu. Pregam o extermínio físico da oposição, a tomada do poder por militares e a aniquilação da diversidade.


Não, liberais brasileiros: vocês não são liberais. São a antítese totalitária de qualquer semântica liberal. São a expressão do ódio e do rancor que atentam contra a raiz igualitária imanente ao liberalismo. Não importa o nome com que vocês se descrevam, mas as ações efetivas que assumem em sua prática política. E estas não mentem. Podem usar o nome que quiserem, mas suas ações revelam a verdade. Vocês não são liberais.

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Fábio Portela

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