Metodologia da pesquisa jurídica: não confie em tudo o que dizem os manuais
Atualizado em fevereiro 18, 2019
Nem tudo na pesquisa jurídica é como os manuais de metodologia da pesquisa jurídica apresentam. Neles, há uma idealização do processo científico que é incompatível com a prática de pesquisa. Como resultado, muitos estudantes ficam confusos ao perceber que os manuais estão desconectados da realidade vivenciada na rotina diária.
O maior exemplo dessa constatação, provavelmente, diz respeito à apresentação da metodologia de pesquisa. Os autores dos manuais se aferroaram de tal modo a determinadas convenções que praticamente ninguém percebeu as bobagens que têm sido ditas irrefletidamente.Decidi escrever esse post para mostrar como a metodologia é discutida e apresentada de modo simplório nos manuais. O objetivo do post não é apenas criticar os livros de metodologia científica, mas apresentar elementos que devem ser melhor refletidos em sua prática como pesquisador do direito.
A metodologia da pesquisa jurídica que consta dos manuais é epistemologicamente inadequada
Boa parte dos manuais, ao discutir a metodologia da pesquisa jurídica, apresenta uma “parafernália” de métodos obscuros que parecem ser profundos. Mas, quando os examinamos, percebemos que são vazios de sentido.
A metodologia científica nada mais é do que o conjunto de métodos utilizados para planejar e executar uma pesquisa científica. Mas, ao apresentar os métodos, os manuais mais confundem do que explicam.No momento em que pretendem explicar os métodos de abordagem da pesquisa, os manuais mais confundem do que explicam. E ainda cometem sérios equívocos epistemológicos - algo indesculpável do ponto de vista filosófico.
Definição dos métodos de abordagem adotada por manuais é superficial e inaplicável
Ao definir os métodos de abordagem, boa parte dos manuais de metodologia da pesquisa jurídica distingue os métodos indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico. Mas um pouquinho de conhecimento em lógica e filosofia mostra que esses “métodos” não são métodos “científicos” em nenhum sentido. Os dois primeiros (indução e dedução) foram desenvolvidos no âmbito da lógica formal para estudar a estrutura de argumentos lógicos. Embora a lógica seja um dos elementos de qualquer teorização científica, é desnecessário adotar qualquer teoria lógica particular como “método” de uma pesquisa científica. Além disso, os “métodos” são explicados de uma maneira usualmente superficial, sendo difícil entender sua aplicação de algum modo à pesquisa jurídica.Método indutivo
A indução, por exemplo, do modo como é explicada nos manuais (e desconsiderando os estudos profundos em epistemologia da lógica), é o procedimento de extrair conclusões a partir de um conjunto limitado de instâncias particulares. Por exemplo, podemos concluir que o sol nascerá amanhã porque, em nossa experiência, sempre foi assim. O sol nasceu ontem, anteontem, há dois meses… portanto, nascerá amanhã. Essa conclusão é extraída dos exemplares que vivenciamos. Se a conclusão é válida ou não (e Hume jogou um vespeiro nessa discussão há alguns séculos), é outra história.
Mas como faríamos uma pesquisa indutiva no direito? Normas jurídicas são contrafáticas por natureza. O direito permanece válido mesmo que muitas vezes as normas legais sejam descomprimas. Virtualmente nenhuma conclusão normativa poderia ser extraída de muitas instâncias fáticas de nenhum tipo. Que conclusão jurídica alguém poderia retirar da constatação de que muitos homicídios são cometidos?Método dedutivo
Do mesmo modo, também é infrutífera a reflexão sobre a aplicação do método dedutivo. Aristóteles o formulou como paradigma de reflexão sobre argumentos em geral, não como uma base metodológica para a pesquisa. O raciocínio dedutivo é fundado na conclusão lógica extraída de duas premissas gerais.
Mas como isso pode ajudar um estudante a alcançar alguma conclusão em uma pesquisa jurídica (ou em qualquer pesquisa)? O problema lógico investigado por Aristóteles e outros lógicos dizia respeito à validade de argumentos em geral. De acordo com a lógica formal, uma conclusão só é válida se a inferência lógica for fundamentada nas premissas que a antecedem. Como seria uma pesquisa que utilizasse como método a dedução lógica? Eu não sei. Só consigo pensar em exemplos simplórios, infantis. Imagine alguém que está pesquisando o direito ao aborto e elenque as seguintes premissas: Premissa 1: a Constituição assegura o direito à liberdade da mulher. Premissa 2: a Constituição assegura o direito à vida ao feto. Conclusão: ??? Que conclusão você pode tirar dessas duas premissas, potencialmente verdadeiras? Do ponto de vista lógico, nenhuma. De que adianta dizer numa monografia/dissertação/tese que o método utilizado é o indutivo ou o dedutivo? O que essa referência informa o leitor? N-A-D-A.Pobre Popper...
Mas piora. O “método” hipotético-dedutivo é, potencialmente, o mais maltratado epistemologicamente. Lastreados em uma leitura superficial da obra de Karl Popper, os manuais indicam que esse método é uma “mistura” dos métodos dedutivo e indutivo, além de ser baseado na tentativa de falsear teorias anteriores. Mas como uma teoria jurídica pode ser falseada? Não pode. A teoria do direito de Habermas não tornou falsa a do Parsons. A teoria da justiça de Dworkin não invalidou a abordagem de Rawls.O que dizer, então, dos métodos dialético, hermenêutico, tópico-retórico e fenomenológico? Apenas uma coisa: o rei está nu. Dizer em um projeto de pesquisa que o método utilizado é o “dialético” ou o “hermenêutico” é não dizer nada que valha a pena ser dito.